terça-feira, 25 de novembro de 2008

Pedofilia não é crime

Pensei em elaborar um artigo sobre o assunto, mas o jurista Bismael B. Moraes já o fez. Por isso, apenas transcrevo o texto.
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Pedofilia não é crime
Bismael B. Moraes
MORAES, Bismael B.. Pedofilia não é crime. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.143, p. 3, out. 2004.
Mestre em Direito Processual pela USP, advogado, professor da Academia de Polícia "Dr. Coriolano Nogueira Cobra" de São Paulo e da Faculdade de Direito de Guarulhos e ex-presidente da Associação dos Delegados de Polícia

Ensinam os filólogos que as palavras têm origem própria e devem ser empregadas em seu sentido específico. No que tange ao Direito, essa regra se faz essencial, para evitar falhas e sedimentação em prejuízo da sociedade. Por isso, chama-nos a atenção o desfoque que se vem dando às palavras pedofilia e pedófilo, procurando fazê-las ligadas a crimes contra crianças. Na verdade, pedofilia não é crime, e quem a pratica não é criminoso. Por outro lado, aquele que abusa de crianças ou pratica atos lascivos com menores, ou os corrompe, não pode ser apontado como pedófilo. Quem assim age é criminoso, por infringir artigos do Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas não é pedófilo.

Palavra de origem grega, pedofilia é a "qualidade ou sentimento de quem é pedófilo", e este adjetivo designa a pessoa que "gosta de crianças". Assim, todo pai, toda mãe, os avós, os tios e quantos mais gostem de crianças são pedófilos, mas não são criminosos. Porém, o substantivo pedofilia e o adjetivo pedófilo, por uso irregular dos meios de comunicação, vêm se tornando costumeiros na acepção de infrações penais contra crianças, particularmente, ligadas a questões de sexo e outros abusos nessa área. De tanto serem lidas, ouvidas e/ou assistidas nesse sentido, acabam tais palavras por serem assimiladas, pelas pessoas comuns, como verdadeiras. Fala-se de pedofilia como "crime" praticado por pedófilo!

Parece que isso começou, alguns anos atrás, quando a imprensa trouxe notícias do cantor Michael Jackson, que teria dito "gostar muito de crianças e até dormir com elas", deduzindo os jornalistas, pela fama do astro do rock, que tal envolvimento era pouco ético... Então, alguém escreveu que "gostar de crianças" era pedofilia, levando essa palavra, de significado verdadeiro, à condição de "crime".

De algum tempo a esta parte, a tomar por base o noticiário da imprensa escrita e mesmo da mídia televisiva, erroneamente tem-se a impressão de que o indivíduo que usa de crianças para suas fantasias imorais ou delas abusa para fins libidinosos, ou outra forma de corrupção, estaria praticando a pedofilia e, portanto, seria um pedófilo. Mas as palavras, especialmente no Direito, têm significado apropriado.

Nenhuma lei pode proibir o pai, a mãe, os avós, os tios, os irmãos, os padrinhos ou quaisquer outras pessoas de gostarem de crianças, de as amarem, porque isso é um sentimento nobre e natural. O que não se pode permitir e deve ser punido criminalmente e com rigor, é a prática de atos atentatórios aos bons costumes das crianças e dos adolescentes e que firam a lei penal!

Sem entrar em maiores indagações, conceitos ou classificações do crime, verifica-se, na lição do jurista Von Liszt trazida pelo saudoso professor Basileu Garcia, que foi Catedrático de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP ser ele o "acontecimento a que a legislação relaciona a pena". Aliás, diz a Constituição Federal, no art. 5º, inciso XXXIX, que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Essa regra da anterioridade da lei é repetida no art. 1º do Código Penal Brasileiro. Portanto, não existe pedofilia como crime, nem no Código Penal, nem no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mesmo na recente alteração.

Basta uma busca aos mestres Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Antonio Geraldo Cunha, Antenor Nascentes, conhecedores da filologia, e, mesmo, ao Vocabulário Jurídico, em sua última edição, do mestre De Plácido e Silva, e não se encontrará menção à palavra pedofilia como sinônimo de crime contra crianças. Só pode ser invenção de quem não atentou para o significado correto da palavra, possibilitando, infelizmente, que o erro vá se perpetuando pela repetição. Foi entristecedor ouvir em emissoras de rádio e ver em "programas de sangue" na televisão, e até no Jornal Hoje e no Jornal da Globo, bem como ler na revista IstoÉ e nos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, notícias dos "crimes" de pedofilia ou praticados por pedófilos!

Por desconhecimento ou por deliberada intenção das chefias de redação, está havendo, sem dúvida, desinformação ao público que, de tanto ver e ouvir o noticiário, vai aprendendo o errado como se fora o certo. Repita-se que pedofilia significa "gostar de crianças", "amar as crianças", e não praticar crimes contra elas! O Código Penal, nos artigos 213, 217, 218, 227, 228, 233 e 234, bem como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), nos artigos 232, 241, 242 e 243, falam de crimes de que podem ser vítimas as crianças, mas cujos eventuais autores jamais serão pedófilos.

O jornalismo pode e deve informar, mas ter, ao mesmo tempo, a precaução recomendada pelos manuais de redação para não desinformar, incutindo e sedimentando como certa uma palavra que a razão e a escola nos mostram como errada. Isso vale para todas as coisas escritas, faladas, radiofonizadas e televisionadas, ou passadas pela "Internet" ou outros meios de comunicação. Todos podem errar, e até a imprensa poderá fazê-lo, mas não pode permanecer no erro.

Da mesma forma como existem pessoas que gostam de crianças, que as amam e que, por isso, são pedófilas, há aquelas que têm aversão às crianças, são impacientes com elas e, desta forma, são pedófobas, sofrem de pedofobia. Não pode a imprensa desconhecer esses rudimentos. Pedofilia, na sua origem, é ato de amor e não é crime. Aliás, nos evangelhos, já dizia Jesus: "Vinde a mim as criancinhas". Elas são a alegria, a sinceridade e a esperança, e devem ser amadas e instruídas pelas pessoas de bem, para que aprendam e pratiquem os bons exemplos, para a melhoria da sociedade como um todo.

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Em tempo: A Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da Organização Mundial da Saúde (OMS), item F65.4, define a pedofilia como "Preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou não". Extraído da Wikipedia.

É importante ressaltar: sofrer da doença denominada Pedofilia não é crime. Um pedófilo pode passar a vida desejando crianças, mas sem satisfazer a própria lascívia. O ato punível - e que deve ser combatido sempre - é a prática de atos libidinosos contra crianças. É claro que, em muitos casos, esses crimes são cometidos por pedófilos, mas não há razão para o vínculo automático do vocábulo aos crimes dessa natureza. Nos demais distúrbios relacionados aos desejos sexuais, curiosamente, não há essa confusão - por exemplo, não se fala sobre o "crime de necrofilia".

O equívoco vocabular gera situações curiosas. Se aprovado algum dos projetos sobre o assunto, a doença passará a ser crime. Logo, o pedófilo "pego" em um exame psiquiátrico poderia ser preso em flagrante. Entretanto, o agente que comete estupro, mas não sofre do mal, não poderia ser punido pela prática do "crime de pedofilia".

Em Projeto de Lei que visa a inclusão do termo no CP, a senadora Serys Slhessarenko justificou:

"O crime de pedofilia não possui definição jurídica própria no Código Penal (CP). O estupro (art. 213) e o atentado violento ao pudor (art. 214) são os tipos penais usados para punir a pedofilia, combinados com a agravante genérica do art. 61, II, h (praticado contra criança)".