quinta-feira, 1 de maio de 2008

Julgamento viciado


Elaborado em conjunto com a jurista Isabel Elaine.

Dias atrás (este artigo foi elaborado em 18.01.08), enquanto realizava uma pesquisa¹ acerca dos males causados pelo cigarro e a possibilidade de indenização às vítimas, surpreendeu-me o teor de algumas decisões sobre a matéria. Em especial, aquelas advindas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Através das palavras proferidas, alguns magistrados deixam transparecer a paixão que o assunto desperta. Entre os poucos casos de procedência de ações dessa natureza, os julgadores têm redigido verdadeiros tratados antifumo. Não se trata apenas do caso concreto, onde a responsabilidade civil de um fabricante é discutida, mas de um combate entre o bem e o mal. Nos votos, há de tudo: estudos secretos realizados pelo governo americano, teorias sobre o tabaco hipercotinado, números e mais números estatísticos e até menção sobre campanhas publicitárias capazes de reduzir o discernimento da população. Ao meu ver, beira às raias da parcialidade a análise do caso sob este ângulo.

A questão do cigarro não pode ser diferenciada de qualquer outra relação de consumo apreciada em nossos Tribunais. Não se trata de uma campanha contra o cigarro, mas do julgamento de certa situação prevista no Código de Defesa do Consumidor. E ponto. Deve o jurista estar atento ao foco da discussão da matéria, sob o risco de perda do fio da meada. No caso concreto, é indispensável a existência dos pressupostos do dever de indenizar – no mínimo, o límpido nexo causal, pouco importando os números estatísticos de impacto ou estudos científicos sobre os malefícios do cigarro. Ainda que milhões tenham morrido em conseqüência do vício, não há o que se falar sobre presunção de culpa do fabricante.

Como exemplo real do que foi dito até aqui, transcrevo um trecho do voto da juíza Dulce Maria Cecconi, em ação² de indenização julgada pelo Tribunal de Justiça do Paraná:

“(...) o douto juiz, ao meu ver, deixou de examinar a questão pelo único ângulo possível, isto é, o que está em pauta não é o cigarro e os malefícios que este traz à saúde, mas sim a responsabilidade civil da apelante (Philip Morris Brasil S/A) pelo falecimento do marido e pai dos autores. Para o caso, indispensável indagar se estão presentes os fatores essenciais para que se configura a obrigação de indenizar, quais sejam, a conduta do agente, o dano causado e o nexo de causalidade entre eles”.

Como já disse em artigo publicado anteriormente, há quem defenda que, na dúvida, é melhor indenizar, sob o risco de injusto ainda maior, deixando o dever de reparar a classe extraordinária da valorização aos danos reais e relevantes e passando a ser um reles prêmio de consolação. Essa busca desesperada de alguns julgadores para que indenizações sejam concedidas, data venia, tem provado a minha teoria.

¹ Ainda não publicada.
² TJPR – 9ª Câmara Cível – Ap. n.º 181.119-4 - Relatora Dulce Maria Cecconi - J. 24.04.2006.


Publicação

Consulex (on line) - número 20 - 30.04.08.