sexta-feira, 23 de maio de 2008

Censura aos desenhos animados

“Hoje, 100% dessa programação dirigida ao público infantil é estrangeira e estranha às nossas culturas regionais e nacionais, pois tal programação, sobretudo, os desenhos animados estimulam a concorrência, o egoísmo, a intolerância racial, de gênero e de classe social; a violência. Ignorando, dessa forma, absolutamente toda a nossa rica produção cultural e folclórica. Nossos pequenos brasileiros crescem desconhecendo e, portanto, sem compreensão de toda a diversidade que constitui o próprio povo brasileiro, e que consagrou um continente como nação”. Sob esse argumento, o Projeto de Lei 1.821/2003, em trâmite na Câmara, pretende impor a cota de 50% da programação infantil das emissoras brasileiras para desenhos animados nacionais. De autoria de Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, o projeto alcança, inclusive, os canais por assinatura. Segundo o autor, a iniciativa gerará empregos e desenvolvimento nacional.

Além da imposição percentual, a proposta descreve o conteúdo que será permitido:

I – Os princípios éticos, morais e de cidadania.
II – Entretenimento e Cultura.
III – Culturas nacional e regionais brasileiras .
IV – A história do Brasil e seus expoentes.
V –Os heróis nacionais brasileiros.
VI – A promoção de igualdade entre Brancos e Negros, Homens e Mulheres.
VII – A promoção da solidariedade e da Paz.

Esqueça o Zé Colméia e o Bob Esponja. Se o projeto for aprovado, as crianças terão a oportunidade de assistir “As aventuras de Dom Pedro e o Saci”, com a participação especial dos heróis da República – e sem qualquer menção à escravidão, é claro. A proposta remete o país há quatro décadas. De natureza ditatorial, o texto expõe claramente o anseio de alguns pelo retorno da censura. Para os defensores das cotas intelectuais, a medida é necessária ao desenvolvimento da cultura nacional. Sem dúvida, o fomento à produção nacional é importante. Todavia, não acredito que o isolamento do país à cultura estrangeira seja a resposta.

Proposta semelhante é a de número 29/2007, que estabelece cotas gerais aos canais fechados. Na página Liberdade na TV, a Associação Brasileira de TV por Assinatura rejeita a imposição. “A ABTA (que reúne produtores, programadores e distribuidores) ao se posicionar de forma contrária a este projeto de lei não está combatendo a produção de conteúdo nacional. Pelo contrário! A ABTA apóia e prestigia a exibição do conteúdo brasileiro, no entanto se opõe ao instrumento de cotas na sua TV por assinatura. Esta imposição não gera fomento à produção nacional, mas sim uma proteção e uma reserva de mercado que irá aumentar o valor mensal da assinatura. Existem alternativas, muito mais eficazes e menos dramáticas, para incentivar a produção brasileira para você assinante e para o mercado”.

Em 2008, comemoramos a segunda década de vigência da atual Constituição Federal, que assegura, expressamente, a liberdade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. A queda do Estado censor foi uma das mais importantes conquistas do país, e não deverá ser derrocada jamais. Até pouco tempo, ninguém ousaria propor a volta de qualquer forma de censura. É preocupante perceber que o receio de represália social, por parte daqueles que a defendem, começa a erodir.